Dreamgirls foi a primeira decepção do fim de semana. O início já prediz o fiasco que o filme é, quando os números musicais se resumem a apresentações em cima de um palco. Um musical não se define pela apresentação de artistas em cima de palanques, em um segmento completamente a parte e dispensável ao filme, mas sim na capacidade de tornar as músicas um prolongamento fundamental ao desenvolvimento da história. Sendo assim, o amontoado de números que vemos no início do filme já o torna bastante cansativo e desnecessário.
E quando a película tenta se tornar verdadeiramente um musical, com cenas em que a música realmente faz parte da história, nos proporciona situações constrangedoras e intermináveis.
Parece que Bill Condon, responsável pelo incrível roteiro de Chicago (2002), sofreu de um lapso na memória e se esqueceu como se faz um filme digno de tal gênero. A câmera é irrequieta, e despropositada. Parece que não sabe onde se estabelece, e traz como resultado uma grande quantidade de planos superpostos desnecessários.
Lá pelo final do filme, Condon nos apresenta uma tomada interpretada pela Beyoncé digna de um videoclip dela.
O casting é outro erro do filme. Jennifer Hudson, indigna do Oscar, nos apresenta apenas o estereótipo da negra norte-americana, sempre estressada, com direito a movimentos gestuais típicos e tudo. Jamie Foxx está, como sempre, inexpressivo, e Beyoncé provando que, de interpretação, ela realmente não entende nada. Sobra para Eddie Murphy, que apesar de não ser lá estas coisas, faz um papel acima da sua média e da média do filme.
A falta de coreografias também se faz notável, deixando o filme com apenas um número com a grandiosidade de um musical.
Mas nem tudo é perdido no filme. A direção de arte é bastante competente, passeando pelos anos 70 e 80 com todo o charme e breguice que estas décadas apresentam. E o roteiro consegue nos levar por estas épocas, nos mostrando um panorama da música negra ao passar do tempo, com a queda do r&b, surgimento da disco, e assim por diante.
Dreamgirls (2006). Bill Condon.Por conseguinte, assisti Irreversível, devido tanto à polêmica quanto aos bons comentários que o filme gerou. E a experiência também foi desagradável, talvez mais ainda que Dreamgirls, devido a expectativa criada antes de assistir ao filme. Simplesmente, nada no filme funciona. O começo, com aquela câmera vertiginosa, nos leva a uma tomada em um quarto, onde dois velhos, um deles seminu, conversam sobre a vida. A câmera passeia por todo o quarto em movimentos bruscos e nauseantes, com um certo quê de voyeur, tentando nos mostrar cada detalhe em cena, para depois realmente entrar na história do filme.
O filme conta, com uma montagem um tanto quanto não convencional, e ainda assim nada original, a história de uma vingança. E a vingança se faz tão descrente de si mesma quanto o filme foi para mim. Somos expostos a cenas exageradas de violência e sexo, tanto gay quanto hetero, tão constrangedoras que fazem qualquer filme pornô ser requintado. Masturbação, drogas, estupro, masoquismo, travestis mostrando a genitália, e violência, tudo está lá. A necessidade de mostrar o submundo de Paris de maneira tão vil toma conta da cabeça do diretor, que faz qualquer cena se tornar numa experiência nauseante.
E isso se prolonga pela primeira metade inteira do filme, até a chegada da tão famosa cena do estupro de dez minutos. E daí para frente, graças à montagem e ao vazio da história, o filme se torna completamente nulo. Apenas diálogos sobre o tempo, o sexo, e algum misticismo. Fica claro, nesta parte final, que o diretor apresenta um bom domínio técnico sobre a câmera, mas apenas fez as escolhas erradas durante a primeira metade do filme.
E a tão bela Monica Belucci, foi tão violentada quanto o seu personagem no filme. A sua presença ali, parece se resumir apenas à exposição do seu corpo, aos desejos de um diretor voyeur.
Irreversível (2002). Gaspar Noé.Já sem nenhuma esperança, assisti a nova empreitada do George Clooney: Boa noite, e boa sorte. E o filme, felizmente, foi a maior surpresa do fim de semana, salvando a temporada. A história da luta do jornalista Ed Murrow contra a política de "caça às bruxas" do senador McCarthy é transformada em uma experiência deliciosa de recordação da História. O filme é bastante simples e curto, e não há muito o que falar sobre ele, mas a competência é enorme. Competência do diretor Clooney, do elenco magnífico, do roteiro claro, da trilha sonora composta por canções de denúncia e de insatisfação, e da fotografia, excelente. David Strathairn torna-se o grande trunfo do filme, roubando qualquer cena em que apareça, mesmo acompanhado de atores com um histórico notável.
Fica ainda a sensação de que Clooney, assim como o próprio Murrow, é apenas um patriota. Longe de criticar o capitalismo e fazer qualquer elogio ao socialismo, ambos estão ali para defender a liberdade e os direitos individuais, indo de encontro à injustiça das políticas criminatórias, invasivas e antidemocráticas que, até hoje, marcam presença no cotidiano norte-americano. A crítica mesmo é feita à decadência da televisão, e a parcialidade e subserviência adquirida com a busca de patrocinadores.
E o que entristece mesmo é a lembrança de que, em um dos melhores anos para o Oscar, o prêmio foi entregue a Crash, um exemplo de anti-cinema, uma fábula mal contada cheia de efeitos morais, em detrimento de quatro grandes expoentes do cinema atual.
Boa noite, e boa sorte (2005). George Clooney.
Um comentário:
Não ouvi críticas distintas em relação a "Boa Noite, Boa Sorte" da sua... por isso mesmo que eu quero muito assisti-lo logo. Quanto à recordação deliciosa de História, é bem verdade... eu só me lembro de Niêta indicando-o como excelente ofício de cinema, rs.
Não assisti a nenhum dos filmes referidos, porém o que você escreveu eu concordo - em partes, é claro.
Principalmente sobre "Crash".
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